Em meio à busca por ganhos marginais no desempenho, Manchester United e demais equipes da Premier League intensificam investimentos em estruturas de “player care”, departamentos voltados a resolver questões pessoais dos atletas fora de campo e, assim, liberar a mente dos jogadores para o futebol.
Serviço logo na porta de Carrington
Logo após passarem pelos portões do centro de treinamento em Carrington, os atletas do United encontram, à esquerda do corredor dos jogadores, um escritório envidraçado. Não se trata da sala do técnico Rúben Amorim, do CEO Omar Berrada ou do diretor de futebol Jason Wilcox, mas do núcleo de “player care”. A porta permanece aberta diariamente para receber demandas que vão de documentos a emergências familiares.
O ambiente foi projetado pela empresa de arquitetura Foster and Partners, responsável pela reforma de £50 milhões no CT, para ficar estrategicamente exposto. “A equipe de player care é o canário na mina de carvão”, revelou à ESPN uma fonte de alto escalão de um clube da liga. “Frequentemente, é ela quem percebe os primeiros sinais de problema.”
O que faz o “player care”
Segundo o especialista Hugo Scheckter, que trabalhou em West Ham e Brentford antes de fundar a Player Care Group em 2020, a função é “cuidar de tudo que afeta o atleta fora do futebol ou do departamento médico”. Isso inclui:
- Procura de casas, escolas e carros;
- Auxílio em questões burocráticas, como vistos e passaportes;
- Apoio psicológico e indicação de serviços de saúde mental;
- Resolução de imprevistos, de acidentes de carro a invasões domiciliares.
Algumas solicitações são inusitadas. Scheckter relata ter recebido o pedido de um jogador para “eliminar” um pássaro que assustava a namorada. “Expliquei que não fazemos isso na Inglaterra; compramos um aparelho ultrassônico de cerca de £10 na internet e o problema foi resolvido”, contou. “Pode parecer trivial, mas noites mal-dormidas afetam o rendimento.”
De reativo a preventivo
Os clubes variam no tamanho dos grupos, de duas a cinco pessoas ou mais, e costumam ter equipes separadas para elenco masculino, feminino e divisões de base. A eficácia, entretanto, depende do engajamento da comissão técnica. “Já trabalhei com treinadores apáticos e com outros que nos colocam na mesa de decisões diárias”, disse Scheckter.
Quando integrado aos departamentos de nutrição e performance, o setor ajuda a ligar pontas soltas. “Se o nutricionista nota perda de três quilos num mês, posso explicar que a namorada do atleta viajou e ele não sabe cozinhar. Assim, providenciamos comida pronta ou um chef”, exemplificou o consultor.
Adaptação de estrangeiros e atenção às famílias
Com elencos cada vez mais globais, as equipes trocam informações entre si para agilizar a adaptação de novos contratados. “Se contratamos um brasileiro e outro clube próximo também tem brasileiro, fazemos contato para criar rede de apoio à família”, revelou uma fonte da liga.
Imagem: espn.com
O cuidado se estende aos parceiros dos jogadores, muitos dos quais não trabalham após a mudança de país. “Vemos casos em que o atleta está feliz, mas a família não. Isso pode levá-lo a pedir transferência, um desastre para o clube”, avaliou Scheckter.
Exemplos práticos
No West Ham, a área ganhou holofotes quando, sem vencer havia mais de dois meses, o técnico Nuno Espírito Santo mandou decorar o vestiário com fotos de infância dos jogadores antes do jogo contra o Newcastle. Funcionou: triunfo por 3 a 1.
Outro caso envolveu um atleta africano repetidamente atrasado para reuniões. Após conversa, descobriu-se que, em sua cultura, horários são “sugestões”. Durante duas semanas, um membro do staff passou a bater em sua porta antes de cada compromisso. O problema desapareceu.
A missão, resume Scheckter, é “garantir que o atleta esteja nas melhores condições possíveis”, seja ajustando fuso horário, seja afastando um pássaro insistente. Para os clubes, eliminar preocupações do cotidiano significa aumentar a probabilidade de vitória no fim de semana.
Com informações de ESPN
